Apae de Jacobina


A APAE de Jacobina representa muito para mim. Lembro que quando fui lá à primeira vez perguntei quando abririam as matrículas e quais documentos seriam necessários. A secretária na época era Carlinha, que me entregou um papelzinho com as informações e na data marcada cheguei com tudo pronto para matricular minha filha. Marcaram a entrevista com os professores. Tive até medo de negarem a matrícula de Mel, pois eu já tinha escutado algo do tipo: “Quando Melzinha sentar sozinha ela vai estudar aqui.” Como Mel tinha paralisia cerebral que comprometia a fala e os movimentos, tive medo por um instante de ter a vaga dela negada. Coisa de louco né? Porque nunca fui tão bem acolhida numa instituição antes. 
No dia marcado estava lá para fazer a matrícula de Melzinha. Depois agendaram a entrevista. Mais uma vez cheguei lá na hora marcada pontualmente, porque eu sou “britânica” com o horário. Lembro de ser recebida pela pró Kátia e em seguida pela pró Karine, que viria a professora que mais admiro e que nutro um sentimento de muito carinho e afeição. Admiro as outras também, todas que estão lá são sensacionais, mas ela era a pró de artes, ajudou Mel a pintar as telas que decoram meu escritório e que são, para mim, impagáveis. Pró Karine também esteve no Hospital Aliança em Salvador para me fazer uma visita ano passado durante aquele internamento em que o marca-passo de Mel parou e ela ficou 50 dias entubada, tudo isso bem no meio de seu tratamento de aneurisma cerebral, uma pessoa que significa muito em minha vida. Queria que todas as crianças especiais fossem alunos dela. Pois bem, voltando pra avaliação, lembro que ela perguntou o que eu esperava de Mel e da Apae. Eu lembro que respondi que não sabia o que esperar. Que esperava só ter minha filha aceita, que não sofresse preconceito, que fosse vista e tratada como o ser humano lindo que ela era. Comecei logo a chorar, porque eu sou chorona demais. Falei que tinha medo deles não aceitarem Mel, descrevi toda a “saga médica” dos internamentos, da cardiopatia, da imunodeficiência, da rotina de terapias, uso de gastrostomia, marca-passo, etc...  e fui super bem acolhida, me empolguei e encomendei logo a farda dela, pois queria que ela fosse bem linda estudar. 
Pró Karine me explicou tudo da Apae, que não negam matrícula para alunos, que todos são especiais do jeito deles, que eles aprendem e interagem, contou das aulas e dos artifícios de aprendizagem, contou tanta coisa, fiquei em êxtase. 
Foram muitos dias incríveis na Apae. Lembro de pró Maria, sempre sorridente, recebendo Mel na brinquedoteca, colocando ela na “calça de posicionamento”, ou colocando sentada junto com os coleguinhas na mesinha. Lembro tanto do coleguinha Alberto, um autista lindo que era apaixonado por Mel. Tinha uma menina fofa com síndrome de Down que adorava mel, tenho até ela em algumas fotos. Alberto me chamava atenção pelo carinho e cuidado que tinha com Melzinha.
Logo na primeira semana, Kátia nossa chefe máster, me sinalizou a necessidade de uma cadeira adaptada para Melzinha. Primeiramente ela adaptou uma cadeira da Apae para que Mel pudesse usar, comprei a espuma que ela pediu, depois ela mesma recortou toda e minha sogra forrou com um tecido colorido lindo. Após essa experiência, com jeito, ela foi me falando da necessidade de uma cadeira de rodas. Eu já vinha ouvindo dessa necessidade há tempos, então fui para SP e uma semana depois voltei com a cadeira linda e totalmente adaptada para Melzinha. Uma alegria para ela e para todos que a cercavam, pois ela ficou melhor posicionada inclusive para aprender e fazer terapias.
Voltando as emoções que vivi na Apae.  A primeira vez que recebi a agenda da escola comecei a chorar, achei que nunca teria essa emoção com Mel, repito que não pela síndrome, mas pelas complicações com a saúde. A agenda tinha data da reunião com os pais, data da entrega do material produzido por eles... muita emoção mesmo. Eu tenho guardado o material produzido por Mel.
As duas telas pintadas na aula de artes de pró Karine são minha maior relíquia da Apae, ocupam lugar de honra. Meu irmão quando viu a tela não acreditou que tinha sido pintada por Mel, mesmo eu explicando que usavam material de apoio para facilitar a pintura, como buchas, esponjas, carimbos, tampas, pata pata de pentear cabelo, dentre tantos outros recursos que só se vê na Apae. Eu falei que vi o dia que Mel estava produzindo as bolinhas da tela, contei que pró Karine me falava que ela tinha muita opinião, que escolhia a cor que queria pintar, mas ele não acreditou muito em mim não, assim como a grande maioria da população, ele também subestimava o potencial de uma pessoa com deficiência como ela. Eu também era assim, não recrimino ele, até eu custei a acreditar que tinha sido obra de Melzinha aquela tela linda de gatinho, minha preferida.
Certa vez eu estava fazendo um curso na Apae para professores e cuidadores, um ciclo de formação fantástico que eles disponibilizam para todas as cidades da micro-região. Na aula de pró karine, ela mostrou uma exposição com telas lindas, lembro que teve uma em especial que me chamou mais atenção, foi minha preferida, tinham duas gatas, mãe e filha, os olhos brilhavam muito, sentadas lado a lado. Então perguntei qual tinha sido a tela que Mel mais gostou, pois a pró me disse que Mel escolhia e ela sabia entender o que Mel falava com o olhar ou sorriso. Quando a pró apontou a tela que Mel mais tinha gostado eu não acreditei, meus olhos lacrimejaram na hora, era a mesma tela que tinha me causado um sentimento diferente, fiquei admirada em saber que nós duas tínhamos o mesmo gosto, saí radiante naquele dia da Apae, contando a todos que Mel gostou da mesma tela que eu. As pessoas costumam falar que Mel era um reflexo meu, que o sorriso dela tinha muito haver com a forma como ela era criada por mim, que éramos muito parecidas. Eu sempre me emociono muito com tudo relacionado a Mel, talvez por eu ser chorona, sentimental e romântica.
Adorava ouvir as histórias de pró Karine sobre Mel, das vezes que a pró relatava Mel fazendo bico, cara fechada quando não queria ou não gostava de alguma coisa. Lembro de pró Kátia, nossa chefona querida, falando que Mel falava com o sorriso, que jamais havia visto sorriso mais encantador que o dela, nisso eu concordo, o sorriso de Melzinha era o mais lindo e gostoso que já vi. Não posso nem lembrar do sorriso que começo a chorar de saudade. 
Lá tem aula de matemática e literatura também. Eu ficava sem entender como Mel teria aula de matemática, nunca assisti nenhuma, porque os pais não podiam ficar lá, mas a pró Jai tinha muito artifício para ensinar aos guris matemática. 
A pró Ritinha era outra que eu amava de paixão, de expressão corporal, pude assistir algumas aulas. Ela colocava coisas na mão de Mel para que ela sentisse texturas, girava a cadeira de rodas fazendo as atividades que os demais faziam, sem contar na massagem de shantala e outros alongamentos que ela sempre fazia com muito amor e dedicação. Depois de um tempo ela foi terminar o mestrado fora de Jacobina e fez muita falta. Mas não perdemos o contato, ela está nas minhas redes sociais e sempre manda uma mensagem fofa.
Pró Raquel era de literatura, fazia livros de feltro, coloridos, cheios de textura para contar as histórias e as crianças sentirem no tato o que estava sendo contado. Muito criativa e sorridente sempre. 
A pró Micaela era assistente na época, estava em vários lugares, sempre sorrindo, uma fofa.
A pró Maria, uma bênção, cuidava da brinquedoteca, eu vivia convidando ela pra vir em minha casa conhecer nossa brinquedoteca e me dar dicas do que pudesse ser usado com Melzinha. Mas nunca deu certo ela vir brincar um turno aqui em casa. Todas as professoras da Apae tem nível superior, maioria pós graduada e muitas com mestrado e doutorado. Realmente, não teria lugar melhor para deixar minha filha, uma equipe que eu confiava e ainda confio de olhos fechados.  Vivo falando para Claudiana e Simone colocarem as crianças para freqüentarem a Apae, mas está sem vaga no momento infelizmente.
Nos dias de aula, eu ia dar remédio e lanche, tinha essa liberação por causa da gastrostomia. Não que elas não dessem o lanche se eu mandasse, mas eu preferia ir, eu gostava, assim matava a saudade que já estava dela. Algumas vezes ela estava dormindo quando eu chegava, aí pegava e levava pra casa. Outras vezes eu chegava e pegava ela sorrindo sendo empurrada pelos coleguinhas, eles se divertiam empurrando a cadeira de rodas. Vocês não imaginam como a Apae é iluminada, com energia boa, com pessoas alegres, que precisam tanto de reconhecimento e respeito. A propósito, você que está lendo pode contribuir financeiramente com a manutenção da Apae, eles sempre precisam de dinheiro, pois não tem renda pública, sobrevive de doações e faz um trabalho belíssimo.
Nos últimos anos, a estrutura física da Apae melhorou muito. Foram instalados ar condicionados, televisões, parquinho, sala de terapia ocupacional mega equipada, melhor do interior da Bahia, sem contar que Kátia cuida da Apae como da casa dela. Eu sou fã daquelas pessoas. 
Na Apae existe uma sala com cama, fogão, pia, pratos etc.. Para ensinar os alunos com deficiência a forrar a cama, lavar prato, ligar o fogão, realizar atividades cotidianas, que vão dar-lhes qualidade de vida e auxiliar na vida em sociedade.
Falo dos professores, da estrutura física, mas tem a equipe de Staff, sem eles nada funciona. Evanda recepcionista sempre gentil e acolhedora, as meninas da limpeza, da cozinha, o motorista e tantas mães que estão ali diariamente ajudando no funcionamento da instituição. 
Tem também pró Ravena, era a coordenadora pedagógica na época de Mel, me ajudava como podia com os horários da minha princesa. Tem Isis assistente social, que dá o sangue para ver todos bem e outras pessoas como Dani enfermeira que fica no Centro Médico ao lado, mas sempre participava de reuniões. Esqueci o nome da psicóloga, nunca precisei ir conversar com ela, mas ela ajudava muita gente. 
O pessoal do centro médico, que fica dentro da Apae, composto por fisios, fonos, médicos, TO, secretárias, psicólogas, enfermeiras... essa galera dá um suporte ímpar a parte pedagógica, porque você precisa estar com saúde para aprender. 
As fotos falam mais que mil palavras. O que vivemos lá naquele lugar estarão sempre em minha memória, assim como a admiração que tenho por pró Kátia, pró Karine e todas as pessoas que formam a Apae. 
Participamos de festa junina, caruru beneficente, carnaval para os alunos, muitos outros eventos que aquela instituição realiza para sobreviver em tempos de crise, pois as contas não param de chegar e dinheiro não cai do céu. A grande maioria das pessoas que estudam na Apae são humildes, com renda baixa, que pouco podem contribuir para o funcionamento da mesma. A impressão que tenho, é que o resto da população imagina que não ter parente com deficiência, isenta da ajuda ao próximo, como se fosse “problema” de quem tem alguém lá dentro da Apae se esforçar para mantê-la. Não é bem assim, nossa cidade ganha e muito tendo uma instituição séria e excelente como essa, poderíamos valorizar mais, ajudar sempre que possível. Claro que toda regra tem exceção, sei de muitos  que ajudam  e agradeço em nome de Kátia e demais membros da Apae.
Aprendi muito com outras mães, como Criseide, Juliana (nossa presidente) e outras que lembro do rosto e esqueci o nome, me perdoem o esquecimento, minha memória tem apagado alguns detalhes. 
Queria falar tanta coisa, mas tenho medo de ser chata e repetitiva. 
Mel foi acompanhada por Marina fisio e Mirla fono na parte médica anexa a Apae pedagógica, assim como elas, lá temos grandes profissionais qualificados e apaixonados pela profissão.
Meu muito obrigada a todos que ajudam a Apae de alguma forma, aos professores, equipe de staff, Kátia, Criseide, Juliana, vocês me ensinaram muito, ajudaram minha filha e serei eternamente grata pelo acolhimento recebido. Deus cuide de cada um de vocês. Não aceitei o convite para ser mãe apoio porque ainda não consigo ir na Apae sem chorar, são muitas recordações, tudo ainda está muito vivo em mim. Mas quem sabe quando essa dor passar eu consiga ajudar outras mães não é mesmo?
Só o fato de ir na Apae, ver a cadeira de rodas de Mel, ver pró Karine, ver Evanda, Ravena, Kátia... me dá uma saudade, uma dor no coração, não suporto e choro todas as vezes, preciso de mais tempo para superar a minha perda, que é gigante e indescritível. 
Mas torço muito por vocês, contem comigo sempre! Sigam lutando por nossas crianças, o mundo precisa de pessoas como vocês.
Nossa Apae de Jacobina é linda, equipada, com pessoas qualificadas, com pessoas muito especiais que juntas fazem a diferença! Parabéns! Deus os abençoe!
Mil vezes obrigada por tudo!






Comentários

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  3. Que relato lindo Mirela! Um presente maravilhoso para todos os colaboradores apaeanos! Estamos juntos e você vai aprender a conviver com essa dor pois Mel vive em todas nós, num cantinho privilegiado dos nossos corações! Abraço forte!

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    1. Obrigada por tudo minha querida! Você é um ser abençoado! beijão

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  4. Obrigada Mirela, vc sempre gentil. Saudades sempre.

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