20 anos depois ...

Hoje, 26 de maio, uma data importante para mim. O dia que faço 20 anos de operada do coração. Operei aos 20 anos, de PCA congênito, vulgo sopro cardíaco, no Hospital Santa Izabel em Salvador, pelo melhor cirurgião da época, o Dr. Nilzo Ribeiro. Mesmo tendo passado tanto tempo, lembro de detalhes daquele momento.
Lembro que internei um dia antes da cirurgia, mas aí tive febre e a cirurgia foi adiada, acho que foi por nervoso e ansiedade. No dia da cirurgia, meu irmão veio de Maceió para acompanhar minha cirurgia, ele era quinto ano de medicina e nunca tinha assistido uma cirurgia cardíaca. Minha amiga Lília estava fazendo enfermagem e também acompanhou a cirurgia. 
Lembro que poucos minutos antes de ser levada para o centro cirúrgico, minha  Dinalva ligou para desejar boa sorte, falou e começou a chorar. Falei pra ela não chorar, que era uma cirurgia simples e eu não morreria, rapidinho estaria de volta, eu tinha essa certeza dentro de mim, um otimismo gigantescoMas aí mainha começou a chorar e eu enchi meus olhos de lágrimas. Lembro dos recados das tias idosas de minha amiga Elmara de Miguel Calmon, chamavam-nas de “as tias”, todas estavam em oração. A mãe e a avó de Daiana e Daniela também. Na verdade, toda Miguel Calmon estava rezando por mim, nossa família sempre foi muito querida na cidade, lembro dessas porque eram próximas a nós e muitas foram às mensagens recebidas. 
Saí na maca, em direção ao centro cirúrgico cantando uma música de Flávio José, não lembro qual era, acho que era Tareco e Mariola, um forrozinho pra animar, pois já sonhava com o são João, faltava menos de um mês pra festa. O pessoal do hospital achou legal eu ser tão animada e otimista. Eles disseram que nunca tinham levado um paciente pro centro cirúrgico cantando forró.
Quando o anestesista chegou e colocou o acesso com medicação fiquei “grogue” e não lembro mais nada que conversamos, só lembro de perguntar por meu irmão e minha amiga Lília e ele respondeu que estavam se trocando. Lília disse que falei muito. Tenho até medo das besteiras que devo ter dito, eu falo demais mesmo. 
Fiquei retada com Wagner porque ele esqueceu a câmera fotográfica na mesa do apartamento antes de sair por hospital, eu queria que ele tivesse fotografado tudo, eu queria saber como eu era por dentro e como se fazia uma cirurgia no coração.
Mas ele esqueceu, naquela época não existia celular com câmera. Então os registros daquela cirurgia só ele tem na mente.
Depois minha memória só voltou a si na UTI, quando acordei. Minha amiga Luciana, fazia enfermagem com Lília na UFBA e era técnica de enfermagem na UTI. Ela cuidou de mim, escovou meus dentes com uma buchinha, dizia que era escova de dente de UTI, depois penteou meus cabelos e fez o “sutiã de UTI”, para me cobrir ao receber as visitas masculinas (meu pai e meu irmão). Ela sempre foi muito engraçada, fazia piada, disse que quando o médico me abriu tinha uma plaquinha fincada no meu coração com o nome Bliu (apelido que dei a Cristiano), ela dizia que tentaram tirar a plaquinha, mas não tiveram sucesso, ela estava cravada e era impossível remover. Eu tentava sorrir e doía demais. Senti muita dor, no banho foi sofrido demaisme viravam de um lado pro outro para trocar o leito, tudo doía muito. Wagner ficava parado na frente do monitor observando os parâmetros. Eu pedia a ele pra me tirar de lá, pois ia morrer, doía demais.Perguntava por que ele olhava tanto o monitor e ele dizia que estava vendo se “alguma coisa” voltava, não lembro o quê, estava cheia de sedação, porque se voltasse eu tinha que ser levada pro centro cirúrgico novamente.
Sei que após tanta insistência, Wagner pediu que me dessem alta pro quarto, prometeu dormir comigo e avisar se eu passasse mal. Fui à noite pro quarto. Cristiano morava perto e queria ir lá, mas Wagner disse que não, a noite não era hora de visitas. Eu teria que esperar o dia seguinte. Nessa noite, eu ria das gaiatices de Wagner e chorava de dor, porque sorrir doía, cuspir ao escovar os dentes doía, tudo doía. Mandei Wagner parar de fazer graça porque tava doendo, ele deitou de bruços pra dormir, fiquei querendo fazer igual, mas mal podia me mexer sem sentir dor.
Fiquei uma semana internada para me recuperar, recebi 75 visitas no hospital. Cristiano ia todos os dias na hora do almoço, antes de ir trabalhar. Mainha ficou comigo o tempo todo. Wagner voltou pra Maceió e painho voltou pra Miguel Calmon. Mainha me confessou que foi a primeira vez na vida que viu meu pai chorar, que ele me amava tanto que sentiu medo de me perder. Ao sair de alta, o pessoal da recepção quis me conhecer, saber quem era aquela paciente tão querida, que recebeu tantas visitas. Saí de salto alto e mini saia, fomos direto pra igreja do Bonfim com tio Renezinhomainha tinha feito promessa e tínhamos que ascender velas lá na colina sagrada.  Foi uma grande aventura.
Hoje vejo que passar por tudo isso era uma preparação pra ser mãe de Mel, pra saber exatamente o que ela viveria nos leitos de UTI e nos pós-operatórios cardíacos. Eu sabia exatamente como ela se sentia, como era aquela dor. Entendia tudo e estava ali para dar forças a ela e dizer que ia passar. Sempre me senti forte e otimista, muito parecida com painho e passei isso pra Mel, ela era uma rocha, uma fortaleza. Sempre sorrindo, meu reflexo. 
Podem passar 50 anos, sempre recordarei do dia 26 de maio, das aventuras de uma cirurgia cardíaca. Eu nunca tive medo, fui otimista o tempo todo. Mas confesso que não imaginava que pós-operatório cardíaco doía tanto, talvez se soubesse teria demorado mais a operar. Ingenuidade minha, achar que me partiriam e não sentiria dor depois disso tudo. 
Todas essas experiências ao longo da vida são somadas e fazem de você uma pessoa madura e experiente. São fatos que só os anos nos trazem, por isso dizem que os erros e acertos podem ser compartilhados, mas cada um precisa viver na pele para adquirir maturidade, experiência não está à venda, apenas se adquire vivendo, com o passar do tempo. A experiência de um jovem de 20 anos nunca poderá ser comparada a de uma coroa de 40 anos ou de um idoso de 80.
Vamos tentar viver da melhor forma possível, prezando pela boa convivência, pela solidariedade, focando na saúde, na gratidão e no amor. A vida é tão curta, só quem esteve no limite consegue valorizar o presente, a família, os amigos, os momentos. 
Senti vontade de falar isso para vocês. Forte abraço. Luz e Paz a todos!


Comentários

  1. Deus é maravilhoso!
    Só temos que agradecer por sua saúde.

    ResponderExcluir
  2. Que linda , realmente vc é uma guerreira! !! Emocionante💗!!!

    ResponderExcluir
  3. Nossa minha prima comadre, eu não sabia dos detalhes de sua cirurgia.
    Dei risadas e também tive dor por saber do pós cirúrgico.
    Te amooooooo! Você já nasceu pronta!
    Beijos

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Reflexão 2019

Pulseira e brinco

Ensaio de gestante